Innovate for circularity @CELPA/Paulo Alexandre Coelho“Inovar para circular” foi o título do seminário organizado pela CELPA – Associação da Indústria Papeleira e pelo BCSD Portugal – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, com o apoio da Ordem dos Engenheiros. Contou com a participação do Ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes e de vários representantes de empresas nacionais, como a Jerónimo Martins, ADP – Fertilizantes, The Navigator Company, Cortadoria Nacional de Pêlo e Amorim Cork Composites.



Marta Souto Barreiros, do Grupo Indústria e Ambiente da CELPA, e responsável pela organização do seminário, afirma que “o evento demonstrou a pertinência do tema, mas há que trabalhar em parceria para conseguir ultrapassar algumas barreiras”. Entre estas, destacam-se “barreiras regulatórias e organizacionais, tecnológicas e algumas sociais”, que apenas se ultrapassando se conseguirá atingir plenamente os objectivos da economia circular.

Sobre as barreiras que a indústria de pasta e papel terá que ultrapassar, Marta Souto Barreiros considera que“passam por potenciar as parcerias entre empresas e instituições de investigação para o desenvolvimento de novas tecnologias de processo e equipamento; trabalhar em conjunto com as autoridades nacionais nos processos de classificação de subprodutos e fim de estatuto de resíduos – quebrar mitos, eliminar receios; sensibilizar e divulgar sobre a importância da utilização de matérias-primas secundárias /subprodutos e seus impactos na qualidade no produto final”.
 
Sofia Santos, do BCSD, defende que, “com a economia circular, há muitos sectores que têm que se reinventar e esta reinvenção implica mudanças ao nível do design e dos processos. Actualmente em Portugal há já um conjunto de sectores em que o design faz parte da essência do negócio, como o têxtil ou calçado, mas a dúvida está neste detalhe: estarão os princípios de economia circular integrados no design? O caminho passa pelas empresas incluírem as variáveis de pesquisa ambiental e de economia circular no design”.
 
O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, que encerrou o evento, afirmou que “seminários como este são muito importantes para discutir o crescimento sem esgotar recursos”. Matos Fernandes considera, no entanto, que a indústria nacional não está ainda totalmente preparada para abraçar as práticas da economia circular.

“Estamos a fazer progressos na eficiência, mas temos de inovar”, sendo que inovação não é, apenas, eficiência. “Os recursos naturais não são infinitos”, afirmou, acrescentando: “as empresas devem pensar o que fariam se deixassem de ter matéria-prima amanhã”.

O ministro lembrou que o próprio ministério está a organizar workshops relacionados com a economia circular, sendo o próximo em Maio, promovido pelo portal eco.nomia.

Um debate, dois oradores, quatro casos de estudo

Marco Lucisano @CELPA/Paulo Alexandre CoelhoMarco Lucisano, Director Papermaking and Packaging da divisão de bioeconomia do RISE – Research Institutes of Sweden (Innventia AB) foi o keynote speaker, tendo apresentado um estudo realizado em cinco países sobre o potencial de uma economia baseada em celulose, onde alguns materiais como o plástico ou têxtil poderiam ser substituídos ou reduzidos.

“Quanta celulose produz a natureza? 3000 toneladas por segundo (face a 150 toneladas de petróleo por segundo). A celulose literalmente cresce nas árvores”, afirmou, recordando o inquérito feito a 2500 pessoas sobre essa possibilidade disponível em www.innventia.com/en/Projects/Ongoing-projects/A-cellulose-based-Society1/. “62% das pessoas na Suécia consideram positiva a possibilidade [– porque a sua indústria florestal é desenvolvida]. Mas há muitas em outros países que consideram a hipótese muito negativa”.

A diferença de opiniões terá que ver com o que os inquiridos entendem por floresta, que diverge de país para país e cujo conceito teórico é diferente da realidade. “Somos cada vez mais urbanos. E a interpretação da natureza feita pelo “homem urbano” influencia a imagem que se tem do que é a floresta”, afirma.

 
Sobre a economia circular, Lucisano destacou um dos seus “ingredientes”, a reciclagem, onde ainda há muito por fazer, apesar do papel ser, na Europa, o material com a maior taxa de reciclagem, bem acima do vidro, do alumínio e do plástico.
 
As reservas e preconceitos sobre uma economia baseada na celulose conduziram, por exemplo, a que “há 13 anos, a ‘bíblia’ da economia circular fosse impressa em plástico porque o papel era considerado uma má escolha” recordou.
 
No painel sobre design, os oradores Ana Thudichum Vasconcelos, da Faculdade de Belas Artes de Lisboa; Teresa Diogo, da Jerónimo Martins; Eduardo Soares, da Amorim Cork Composites, António Vasconcelos, da Natural Step e Sofia Santos, do BCSD, debateram, com a ajuda de Vitor Rodrigues Oliveira, editor de economia da TSF, a importância do design para a economia circular.
 
Teresa Diogo, da Jerónimo Martins, deu um exemplo concrecto: o novo desenho dos pacotes de sumo de marca próprio, pensados em conjunto com os seus fornecedores, já permitiu a poupança de mais de 2,5 toneladas de plástico e 6 mil paletes por ano. Teresa Diogo considera que a estabilidade nas relações com fornecedores é fundamental para que estes invistam na circularidade do seu negócio.
 
Para Eduardo Soares, da Amorim Cork Composites, empresa do universo Amorim que tem como objetivo a utilização das sobras de cortiça decorrentes da produção de rolhas, o design de produto é fundamental porque pode acelerar a transição para a economia circular. No entanto, a evolução do conceito depende da empresa e dos mercados ou segmentos de negócio onde trabalha.

Há segmentos que não têm preocupações. Mas há outros muito desenvolvidos, que incorporaram nos seus produtos materiais reciclados, como vidro ou a cortiça. Há países onde essa preocupação é tida em elevada conta , outros em que se ignora este tema. Nos Estados Unidos é fundamental que os produtos sejam recicláveis e reutilizáveis. Na Europa, que sejam “verdes”.
 
António Vasconcelos, da ONG The Natural Step, considerou, por seu turno, que “aspirinas” não são suficientes para atingir metas com muita exigência como as definidas pelo Acordo de Paris. E questionou: “como se articulam princípios de circularidade? Quanta circularidade é necessária? Não se deve ter como objetivo apenas o ganho. A humanização, a confiança entre pessoas está ausente, e a própria Ellen MacArthur [fundadora do conceito de economia circular] reconhece-o”.
 
Ana Vasconcelos, da Faculdade de Belas Artes lembrou, por seu turno, a importância dos designers, cuja principal responsabilidade é compreender as necessidades das pessoas mas também ajudar a educá-las. A importância do design para as empresas dependerá, no entanto, delas mesmas, considerou.
 
Ana Sofia Vaz foi a oradora seguinte, tendo representado a Agência Portuguesa do Ambiente. A assessora do Conselho Directivo falou sobre as 54 acções do plano europeu para a economia circular, 30 delas já iniciadas e algumas concluídas. “O pacote relacionado com resíduos tem níveis muito ambiciosos, prevendo a redução de 65% dos resíduos urbanos e 75% dos resíduos de embalagens”, afirmou.
 
Um dos objectivos do plano é transformar resíduos em subprodutos, mas, para que tal aconteça, devem ser seguidas determinadas condições, entre as quais a posterior utilização certa, regular e directa desses subprodutos. Os mesmos devem ser o resultado de uma prática industrial normal, a sua produção ser parte integrante de um processo produtivo e a posterior utilização legítima e sem impactes adversos para o ambiente ou para a saúde humana.
 
@CELPA/Paulo Alexandre CoelhoNa apresentação de casos de estudo de empresas que já começaram a implementar o conceito de economia circular nas suas estratégias está a Cortadoria Nacional de Pêlo. De empresa que fabricava apenas feltro – para chapéus, por exemplo – a Cortadoria passou a produzir também luvas de pele de coelho, para aproveitar os resíduos da sua indústria em vez de destinar a pele residual, uma vez obtidos os pêlos, apenas para adubagem agrícola. “A inovação levou a que tivéssemos de remodelar todo o processo industrial”, contou Nuno Oliveira Figueiredo e, em breve, tanto processo como produto serão certificados pelo Instituto para a Inovação de Produtos Cradle to Cradle.
 
Cristina Nobre, da Verallia, falou sobre a importância da reciclagem no sector vidreiro. “Uma tonelada de casco de vidro é uma tonelada de vidro bom”, referiu. Mas também sobre o trabalho feito pela empresa na redução de emissões de CO2. A colocação de um electrofiltro nas chaminés – um investimento de milhões de euros – que permitiu a redução significativa das emissões não só de CO2 como de outros componentes.
 
Em nome da The Navigator Company, associada da CELPA, esteve Laura Costa, que apresentou a evolução da empresa no que respeita aos vários temas da economia circular. “Nos últimos 10 anos, reduzimos em 5% as emissões de CO2, 14% na energia consumida, 37% nos efluentes, 41% no consumo de água, 48% na produção de resíduos sólidos e incrementámos em 80% – a reciclagem”.

“A empresa captura CO2 através das suas florestas e essa captura perpetua-se nos nossos produtos ao longo da vida”. E exemplifica: “com florestas geridas de forma sustentável, dois livros de 400 páginas A5 significam 1,3 kg de CO2 capturado”.
 
Já no que respeita aos resíduos produzidos pela indústria, Laura Costa referiu que existem sempre negociações com parceiros no sentido de se encontrar novos usos, ainda que por vezes se encontrem limites legais. “Há barreiras legais por exemplo no processo de devolução das cinzas à floresta, apesar da conhecida capacidade de fertilização dos solos”.
 
Outra das associadas da CELPA, a Europac, referiu que o seu modelo de negócio é “circular, mesmo sem o saber”. “Compramos papel para reciclar, usamos as lamas em compostagem”, exemplificou Nuno Messias, lembrando que por vezes “os europeus complicam a vida por questões semânticas”, referiu, recordando que ‘waste paper’ é papel para reciclar e não papel para o lixo.
 
O representante da ADP, João Castro Pinto, contou que a empresa está sempre a experimentar novos produtos que sirvam de fertilizante e que desde 1986 desenvolveram 36 novos produtos. “O ritmo de investigação de novas matérias primas para usar em adubos teve um pico em 2016. Mas das 60 matérias-primas apresentadas, aproveitaram-se 9, já que as que são rejeitadas não apresentam mais-valias nos testes agronómicos que fazemos”, concluiu.

FONTE: CELPA