A leitura em suporte de papel e em digital deu o mote a um evento luso-brasileiro online, organizado pela Cavaleiros de Gutenberg – Associação Lusófona, que reuniu cerca de 100 pessoas. O debate gerou interesse e a partilha de diferentes experiências em relação aos dois suportes e respetivas funcionalidades.

Diogo Alves de Sousa, em representação da Cavaleiros de Gutenberg, e Jorge Castilho, diretor de APImprensa, fizeram a abertura e a moderação, respetivamente, de um debate que contou com as participações do escritor e professor universitário, Rui Zink; do escritor, editor, livreiro e gráfico, João Scortecci, do presidente da Associação Portuguesa de Escritores e Livreiros (APEL), João Alvim; do presidente interino da ABIGRAF, Carlos Di Giorgio; do presidente da APIGRAF e Lopes de Castro.

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Rui Zink começou por abordar a questão das informações incorretas ou difíceis de verificar que podemos encontrar na internet, recordando que as informações falsas e as “fake news” não são um evento do digital, apesar de se propagarem mais atualmente. Sendo “ambidestro”, como se assumiu, Rui Zink utiliza ambos os suportes, consoante os objetivos e conveniências, sublinhando que já está ultrapassada a discussão do digital vs. o papel. A pandemia trouxe aquilo a que chama de “vitória contextual para o digital”, derivada dos confinamentos relacionados com a COVID-19, mas que “viver é melhor do que fazer tudo por zoom” e que “vamos dar mais valor ao que nos faltou, como o acesso às livrarias”, retornando à essência da “experiência da presença humana”. O escritor português sublinhou ainda a importância dos livros infantis e da sua importância para o desenvolvimento da reflexão.

João Scortecci, presente nas várias fases da publicação de um livro – enquanto autor, editor, livreiro, gráfico e leitor - refere que quando lê não faz distinção entre suportes, desde que sirva o objetivo. A tecnologia é apenas um suporte e que o que interessa é que o livro seja útil, “não importando a plataforma, substrato ou ferramenta”, já que o leitor terá as suas preferências. Porém, acha que ao livro eletrónico “falta emoção” e que nota que há algum “empobrecimento de conteúdo e diminuição das tiragens” na literatura em geral. Referiu ainda que, ao contrário do que seria esperado, no Brasil, com a pandemia, diminuíram as vendas do livro eletrónico e aumentaram as vendas do livro impresso.

Carlos di Giorgio, a representar a ABIGRAF, referiu que a associação brasileira é a favor da tecnologia digital, que proporcionou novas ferramentas, e a favor do livro impresso, que tem extrema relevância na educação da população de um país e um lugar preponderante na história da civilização. Uma opinião partilhada por Lopes de Castro, da congénere portuguesa APIGRAF, que teme que se estejam a formar “não leitores” nas escolas, pois o Governo português continua a insistir em retirar os manuais escolares do formato impresso. “Não somos contra o digital. Somos uma associação da indústria gráfica, da transformação de papel e da comunicação digital”, afirma, dizendo que há que saber como complementar os meios. Ainda assim, relembra, o papel é mais ecológico, proveniente de fontes renováveis, recicláveis e circulares, consumindo menos árvores do que as necessárias para a produção de energia para os equipamentos eletrónicos.

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O presidente da APEL, João Alvim, acredita que os utilizadores de leitores eletrónicos são poucos e que não abandonam o papel. “O que eles dizem é que é prático, e que quando compram versões que não compram em papel são de entretém, e que não têm interesse em guardar. É quase um "usar e deitar fora", comenta, sublinhando que o livro requer reflexão e interiorização.

Ao longo das várias exposições, participantes de ambos os países foram manifestando as suas opiniões. Foi o caso de Whaner Endo, que escreveu: O acesso à leitura do livro digital, que há algum tempo tinha a barreira económica do valor dos dispositivos dedicados, como o Kindle, hoje, com a presença dos smartphones e a redução do custo destes aparelhos, permite que a base de equipamentos que suportam o livro digital tenha aumentado consideravelmente, Hoje, no Brasil, mais de metade da população acede à internet via smartphone”. E falou também nos custos de produção de um e outro formato: “Para comparar o custo de produção do livro impresso X livro digital, é fundamental definir de qual livro eletrónico estamos falando... Um ePub é diferente de um Enhanced eBook com conteúdo em áudio e vídeo e, mais ainda, com um App eBook, com um processo complexo de programação”.

Eurides da Cunha, outro assistente, manifestou preocupação com a supervalorização do livro eletrónico: “pode ser o tiro no pé, ao falar-se de compreensão e assimilação da essência do conteúdo e sua aplicabilidade para a participação no mundo como cidadão proativo”.

Pedro Filipe Silva, por sua vez, referiu que “a leitura em papel activa mais o pensamento abstrato” e Fabio Mortara escreveu que “o livro impresso, assim como qualquer texto impresso em papel, tem melhor retenção de conteúdo por quem o lê. Além disso o livro físico é feito de papel proveniente de árvores cultivadas que sequestram carbono do ar e foram plantadas para produzir papel, é reutilizável, pode ser emprestado e, depois de seu uso, ainda pode ser reciclado!”.

 

Terminado o evento, as conclusões mostram que há espaço para os dois formatos, embora todos os intervenientes concordem que o papel é o mais ecológico, sustentável, circular, e promotor de raciocínio analítico.